Esses dois episódios, como sinais dos tempos, dizem que a morte pode
vir de improviso. Assim também o juízo de Deus pode chegar quando menos
esperarmos. Por isso, precisamos e devemos nos arrepender de todos os
nossos pecados.
Neste Evangelho do 3º Domingo da Quaresma, Jesus deixa claro que não
necessariamente há uma relação direta de causalidade entre culpa e
sofrimento. Mas as desgraças públicas são, como sinais dos tempos,
oportunidade para reflexão e penitência dos pecados. Jesus adverte que
toda nação caminha para a ruína se não se converter ao Messias. Todos
necessitamos de conversão contínua porque todos erramos. O mistério do
sofrimento sem espírito de fé esmaga o homem.
Primeiro, arrepender-se é desviar do pecado, mudando de direção em relação à iniquidade.
O arrependimento é mais do que um aprimoramento pessoal, é mais do
que uma maneira de se controlar a vida. É uma medida profunda, uma
decisão de abandonar tudo o que é estranho a Deus. Essa medida contribui
para uma transformação total, a que Jesus chama novo nascimento (João
3,3).
Arrepender-se não é simplesmente sentir remorso do pecado cometido.
Uma pessoa pode sentir remorso de ter pecado devido às complicações que o
pecado trouxe à sua vida, ou devido a uma consequência desvantajosa que
tenha de sofrer pelo ato pecaminoso. Judas sentiu remorso por ter
traído Jesus, mas não se arrependeu (Mateus 27,3). Pedro, que negou
Cristo (Mateus 26,34.69-75), arrependeu-se; Judas sentiu apenas remorso.
É possível sentir-se perturbado pelo fato de ter pecado, sem, contudo,
arrepender-se.
O arrependimento não é simplesmente uma convicção do pecado. No dia
de Pentecostes, Pedro expôs o pecado dos judeus que o ouviam. As
palavras do apóstolo levaram convicção ao coração deles, a ponto de
clamarem: “Que faremos?” (Atos 2,37). Pedro, porém, não considerou essa
convicção como arrependimento; pois ao responder à indagação deles,
disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus
Cristo para remissão dos vossos pecados e recebereis o dom do Espírito
Santo” (Atos 2,38).
O arrependimento não é simplesmente uma tristeza divina. A tristeza
divina por causa dos pecados precede e produz o arrependimento, segundo o
apóstolo Paulo: Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento
para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza segundo o
mundo produz morte (2 Coríntios 7,10).
O arrependimento não deve ser tampouco definido como uma mudança de
vida. Ele produz, sim, uma mudança de vida. Se o arrependimento não
resultar numa vida transformada, então não houve de fato arrependimento
genuíno; mas a mudança de vida não é o arrependimento propriamente dito.
João Batista advertia o povo que o seguia: “Produzi, pois, frutos
dignos de arrependimento” (Mateus 3,8). O arrependimento real precede os
frutos de arrependimento, a saber uma vida mudada.
Arrependimento tem a ver com mudança resoluta da vontade própria em
relação ao pecado. Envolve o intelecto, as emoções e a consciência. Essa
mudança de atitude em relação ao pecado torna-se tão nítida na
personalidade humana, que capacita o crente a desistir de um modo de
vida. No batismo, uma pessoa é imersa para morrer espiritualmente para o
pecado, crucificando seu “velho eu”, de modo que o corpo do pecado seja
destruído (Romanos 6,6).
Em segundo lugar, arrepender-se é voltar-se para Cristo. Não é apenas
uma reação negativa ao mal; é também uma resposta positiva a Cristo.
O arrependimento consiste em abandonar o pecado e voltar-se para
Cristo para ter vida. Jesus não convidou ninguém para tirar “férias
religiosas”, ou dar uma breve trégua na iniquidade.
Ele pediu comprometimento total, descrito como um nascimento da água e
do Espírito, um nascimento do alto (João 3,5). Essa transformação é tão
radical e duradoura que Paulo a comparou com uma circuncisão
espiritual, uma remoção completa do corpo da carne por obra de Deus:
Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no
despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo
(Colossenses 2,11).
O arrependimento envolve um compromisso constante. Ao respondermos a
Deus, devemos fazer morrer as obras do corpo. Daí para frente, uma
tarefa que temos como cristãos é não deixar virem à tona essas obras.
Paulo disse: “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:
prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e avareza, que é
idolatria” (Colossenses 3,5).
É preciso viver no mundo sem ser dele, e nele viver conforme o
Espírito de Deus. O juízo de Deus sobre nós pode dar-se quando menos
esperamos e, por isso, devemos viver de tal modo que não sejamos
surpreendidos. O cristão está em contínua vigilância pela caridade e
pela prática da misericórdia.
Pai, que a minha vida seja uma contínua busca de comunhão contigo,
por meio de um arrependimento sincero e de minha conversão urgente a Ti.
Amém.
Padre Bantu Mendonça - CN